Morreu em Salvador, na noite desta terça-feira (13), o líder religioso Dilvado Franco, aos 98 anos. Ele enfrentava desde 2023 vários problemas de saúde, incluindo um diagnóstico de câncer de bexiga, em novembro do ano passado. A causa da morte foi falência múltipla dos órgãos, segundo a assessoria da Mansão do Caminho.
O velório será realizado no Ginásio da Mansão do Caminho, das 9h às 20h, desta quarta-feira (13). O enterro está marcado para quinta (14), às 10h, no Cemitério Bosque da Paz, no bairro Nova Brasília.
O câncer foi diagnosticado depois que Divaldo sentiu um desconforto urinário. Ele continuou o tratamento em casa, com períodos de internação. Em abril, a Mansão do Caminho informou que Divaldo tinha concluído o tratamento e estava em remissão, mas estava com dificuldade para reter nutrientes e precisava de uma sonda para se alimentar. Apesar dos problemas de saúde, o médium seguiu lúcido até o fim.
Divaldo era responsável por um Centro Espírita e pela Mansão do Caminho, no bairro de Pau da Lima, em Salvador. O espaço tem mais de 80 mil metros quadrados, uma área, portanto, equivalente a mais de dez campos de futebol. Hoje, existem ali mais de 50 edificações, onde funcionam creches, escolas, cursos técnicos e de informática, panificadora, centro médico. O trabalho social feito pelo centro ajudou a mudar muitas vidas.

Mediunidade começou cedo
Nascido em Feira de Santana em 5 de maio de 1927, Divaldo estudou na Escola Normal de Rural daquela cidade e obteve o diploma de professor. Mesmo antes de nascer, ele tinha a pecha de “anormal”. “Dona Anna Franco, a senhora ficou grávida aos 44 anos. Não é ‘barriga d’água’, como está pensando. Se a senhora não fizer o aborto, seu filho vai nascer… anormal!”, avisou o médico à mãe do médium. A mãe não se abalou e teve o filho, o último de 12 irmãos – cinco morreram antes mesmo de Divaldo nascer.
Mas a infância na casa não foi fácil. Os irmãos mais velhos e o pai não gostavam das visões de Divaldo, que começaram quando ele tinha quatro anos e recebeu um recado da avó da mãe. Ele chegou a apanhar por conta de sua mediunidade, que era vista como algo do demônio.
Na juventude, por causa de sua capacidade mediúnica, chegou a ser considerado louco também pelos colegas. Na escola, os amigos perguntavam, zombando: “Já viu algum espírito hoje?”.
O patrão também acreditava que Divaldo não era “normal”. Ele trabalhava numa corretora de seguros e via alguns clientes chegarem para pedir informação. Dirigia-se ao balcão e os atendia da mesma maneira que atendia qualquer pessoa. A diferença é que ali eram espíritos que, naturalmente, só Divaldo enxergava.
“Alguém me chamava no balcão e eu ia atender, era muito real. O meu chefe ficava indignado e eu indignado com ele, porque eu achava que ele estava me humilhando, mas ele dizia que não tinha ninguém lá”, recordou o líder espírita. Numa ocasião, atendeu um cliente que queria mudar o nome da beneficiária de uma apólice de seguro de vida. O chefe disse que aquele cliente já estava morto. Mas Divaldo deu o nome do homem e o número do arquivo. As informações eram corretas e o chefe, claro, assustou-se.
Por ordem de seu superior, Divaldo, aos 19 anos, dirigiu-se a um psiquiatra e o médico mandou que ele deitasse numa cama. “Fui avisado por um espírito amigo que ele aplicaria o eletrochoque. Fugi”, lembrou ele, que desceu 16 andares de um prédio correndo.

Contato com espiritismo
Em 1944, um dos irmãos de Divaldo, José, morreu vítima de um aneurisma. No velório dele, Divaldo sentiu como se as pernas tivessem sumido e ficou seis meses de cama, paralisado. A família procurou vários médicos, sem sucesso, até que recorreram à médium Ana Ribeiro Borges, a Dona Naná, que identificou que o espírito de José, sofrendo com a morte súbita, estava se prendendo a Divaldo. Ela conseguiu ajudar o espírito e Divaldo, que voltou a caminhar. Foi nesse episódio que a forte mediunidade de Divaldo foi identificada e ele conheceu a doutrina espírita.
Divaldo visitou pela primeira vez o Centro Espírita Jesus de Nazaré, que se mantém em atividade até os dias atuais. Por influência da Dona Naná, ele se mudou para Salvador em 1945 e passou a ficar cada vez mais envolvido com a religião.
Mansão do Caminho
Pouco depois, aos 20 anos, em 1947, juntou-se ao amigo Nilson de Souza Pereira, o Tio Nilson, e fundou com ele o Centro Espírita Caminho da Redenção, no bairro da Calçada. Ali, abrigava mais de 50 órfãos, que, em 1956, foram para o Pau da Lima com ele, viver na nova sede do Centro Espírita, onde foi instalada a Obra Social da Mansão do Caminho.
As crianças, supervisionadas por Divaldo, Nilson e uma tia prepararam o terreno e ali abriram ruas e plantaram hortas, em condições precárias e sem conforto. O dinheiro era escasso e, às vezes, mal dava para a alimentação. Paralelamente ao trabalho social, Divaldo era escriturário do Ipase, Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado, criado no governo de Getúlio Vargas. Se aposentou em 1980, aos 53 anos.
A preocupação com educação também era justificada pela sua fé no espiritismo: “Allan Kardec perguntou aos espíritos qual era a grande solução para o problema da humanidade e a resposta foi: a educação. Não aquela que se adquire pelos livros, mas aquela que tem a ver com as qualidades morais, porque elas combatem o materialismo e a crueldade”, disse Divaldo.
Segundo informações da Mansão, mais de 35 mil crianças e jovens já estudaram na instituição. Calcula-se que cerca de 680 crianças residiram ali, até se tornarem emancipadas. A Mansão tem aproximadamente 300 funcionários, além de 400 voluntários.
Livros psicografados
O projeto é mantido com doações e a venda de livros espíritas, muitos dos quais são psicografados por Divaldo, que já deve ter mais de 250 obras publicadas e mais de dez milhões de livros vendidos até hoje. O primeiro deles foi Messe de Amor, de autoria de Joanna de Ângelis, mentora espiritual de Divaldo.
Anália Franco, Amélia Rodrigues e Bezerra de Menezes são outros espíritos que o médium baiano psicografa. Os livros já foram traduzidos para mais de 15 idiomas, incluido albanês, húngaro e tcheco.
Divaldo realizou conferências em mais de 60 países de todos os continentes para propagar a doutrina espírita e seus ensinamentos.
Considerado por muitos o “novo Chico Xavier”, Divaldo, que foi amigo do médium mineiro, evitava o rótulo: “Pra mim, ele é um grande mestre. Não me sinto um continuador do trabalho dele, mas me sinto como alguém envolto, como ele, da propaganda do espiritismo. Ele era ‘o concur’ pela sua irradiação de amor e paz, por isso ele foi pra mim um grande mestre”, disse.
Fonte: Correio 24 horas