A pandemia certamente provocou mudanças profundas tanto na sociedade quanto nos segmentos diversos. No entanto, em um setor específico, o novo coronavírus radicalizou e os impactos trouxeram muitas dificuldades. Por outro lado, os benefícios são inestimáveis.
A reportagem do Folhasete conversou com exclusividade nesta semana, com o presidente do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM/SC), Daniel Knabben Ortellado, para saber quais são os bônus e ônus desta epidemia na saúde, sem dúvida, o segmento mais afetado e também um dos mais importantes neste momento.
Médico, especialista em cirurgias de pescoço e cabeça na capital do Estado, Daniel Ortellado relata que a primeira mudança provocada pelo novo vírus, foi a relação com os pacientes. “Aquela intimidade, proximidade, com a presença do vírus já mudou. Temos que usar máscaras, muitas vezes o escudo facial, as luvas, que anteriormente nem sempre era necessário. Sou cirurgião de cabeça e pescoço, então para palpar a tireoide do paciente, por exemplo, agora tenho que usar luvas. Estes equipamentos de proteção individual que estamos usando, mudaram a forma de abordagem do paciente. É necessário, mas provavelmente não será definitivo”.
Outro alteração, segundo o presidente do CRM/SC, porém no aspecto positivo, “é que graças à pandemia, o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina permitiram a tele-consulta, que é tele-medicina. Pelo menos nesse período, a gente pode atender o paciente de forma remota, através de uma chamada de áudio e vídeo, para evitar o deslocamento dele ao consultório, clínica ou ao hospital onde há outros pacientes. Isso, provavelmente, será um ganho definitivo. Deverá se manter pós pandemia e as pessoas que precisavam se deslocar quilômetros, do interior para a capital, por exemplo, se quiserem, na maioria dos casos, agora fazemos a consulta virtual e conseguimos prescrever e solicitar exames via digital”.
Afirmou que o Conselho Regional do Estado, a partir desta situação, criou a possibilidade de fazer uma receita médica digital. “Entrando no site do CRM, o médico consegue emitir o receituário com sua assinatura e que tem validade nas farmácias. Também conseguimos emitir pedidos de exames, atestados e declarações e outros documentos importantes. Esta ferramenta veio para complementar a tele-medicina”.
Sobre a forma como a medicina está lidando com o novo coronavírus, um completo desconhecido até então, Daniel Ortellado esclarece que “há seis meses ninguém conhecia absolutamente sobre esta doença. E este conhecimento ainda está em construção. Se alguém falar que sabe alguma coisa sobre isso, é um incauto. A medicina é baseada em trabalhos científicos e os trabalhos sobre este assunto são escassos. Não são trabalhos de alta evidência científica. Como é uma doença nova, não se conhece com profundidade a sua fisiopatologia. A medicina está encarando isso com muita parcimônia. Não estão sendo feitos tratamentos sem comprovação”.
O médico Daniel Ortellado, abriu um parênteses para falar sobre as discussões em torno das formas de tratamentos à Covid-19, principalmente as formas na fase precoce. “O que se sabe é que a doença tem três fases. A inicial que acontece nos primeiros cinco dias em que o paciente terá alguns sintomas gripais. A segunda é inflamatória, que vai ocorrer a pressão pulmonar, muitas vezes com infecção bacteriana secundária a isso, quando começa a falta de ar, e a terceira chamada de hiper-inflamatória. Nesta, o doente necessita de tratamento intensivo. Então, vem surgindo cada vez mais e com força, trabalhos científicos que avaliam a possibilidade de tratar os pacientes já na fase precoce, e não deixar evoluir para as fases mais tardias. Isso ainda é muito questionado e discutido. Não há resposta conclusiva sobre esta tese”. Destacou que o Conselho Regional de Medicina se posiciona preferindo permitir a autonomia dos médicos. “O médico que achar que tem condições de aplicar o tratamento de forma precoce nos seus pacientes, o CRM não desaprova. Da mesma forma que, se achar que os trabalhos científicos não são suficientes para introduzir um tratamento desta forma, também tem todo o direito e o CRM não desaprova”.
Referente à polêmica no uso da hidroxicloroquina e ivermectina, argumentou que “o tratamento precoce citado, que é bastante discutido, envolve ambas medicações, além de drogas anticoagulantes, outras com ação antiviral e antiparasitária. Alguns protocolos incluem ainda vitamina D e Zinco. Mas se voltou muito contra as duas primeiras citadas – hidroxicloroquina e ivermectina -, que se usa há mais de 50 anos, muito conhecidas e seguras. Agora, se tem realmente eficácia na fase precoce da doença, esta é a grande questão”.
Da segurança aos trabalhadores da saúde e o estado psicológico e emocional explica que “todos os profissionais da saúde foram intensamente afetados pela pandemia. Já existem inúmeros médicos e demais trabalhadores da equipe, contaminados. Alguns não sobreviveram. Há registro de pelo menos dois médicos, e profissionais da enfermagem muito mais. Essa maior exposição faz com que tenhamos um dano psicológico, um abalo psíquico muito grande. É inevitável. Mas o Conselho criou um canal de acesso tanto para denúncias sobre falta de EPIs, indispensáveis à segurança dos profissionais da saúde, e outro para auxílio psicológico, através de parceria com a Associação de Psiquiatria catarinense. Ambos fundamentais à proteção dos trabalhadores que estão na linha de frente”.
Em relação ao preparo proporcionado à medicina com o enfrentamento, a experiência vivenciada com a pandemia, afirma que “essa é uma resposta muito difícil. A gente espera que sim. De qualquer forma, há cem anos não enfrentávamos uma epidemia. Eu não consigo dizer se vai ajudar numa próxima, mas algum ganho, aprendizado, conhecimento gerou. Há resultados muito positivos. Na pior das hipóteses, pensando no nosso Estado, pelo menos mais leitos de UTIs, mais equipamentos e insumos, mais conhecimento para tratar pacientes graves teremos. Se há herança positiva nesta pandemia, esta será uma delas”.
Produção Folhasete